segunda-feira, 7 de maio de 2018

Volatilidade, Incerteza, Complexidade e Ambiguidade: A Turbulência no Cenário de Negócios.



Nos últimos anos, tornou-se um lugar comum dizer que o ambiente de negócios atual é de natureza VICA. Executivos que participam de seminários são bombardeados por gurus de gestão que escrevem best-sellers alertando sobre os perigos do ambiente VICA e a necessidade do desenvolvimento de novas habilidades e competências tanto para a atividade organizacional quanto para os executivos.
O termo VICA (originalmente em inglês: Volatility, Uncertainty, Complexity and Ambiguity) surge no início nos anos 2000 entre estudiosos norte-americanos de estratégia militar visando uma nova doutrina para o cenário posterior ao final da Guerra Fria, para além da bipolaridade norte-americana e soviética. O redesenho da estratégia militar norte-americana necessitava de um novo olhar para os desafios de conflitos assimétricos não mais entre grandes nações com exércitos organizados, mas sim entre pequenos grupos coordenados de forma flexível com objetivos e táticas difusas objetivando confrontos longos e incertos com resultados imprevisíveis (Franke, 2011).
Em resumo, o termo VICA se relaciona a um novo cenário político-militar onde a turbulência é o novo normal, tornando o ambiente instável e incerto em demasia, beirando o caos (cf. Mack & Khare, 2016). Rapidamente, assim como se observa com outros conceitos da terminologia militar como estratégia, o termo é rapidamente absorvido pela literatura de gestão e começa a aparecer em palestras, papers e livros no final da primeira década do século XXI.
Torna-se necessário distinguir o seu significado no âmbito do ambiente de negócios A primeira questão é entendê-lo não como um fenômeno indiferenciado, um caos absoluto no ambiente de negócios. Pelo contrário, deve-se identificar e isolar os seus elementos para que o executivo tenha uma compreensão mais aprofundada de sua dinâmica de funcionamento. Afinal, cada elemento possui características particulares e, por extensão, formas distintas de enfrentar os seus desafios. Segundo Bennett & Lemoine (2014),
“se o VICA é visto como genérico, inevitável e insolúvel, os líderes não tomarão nenhuma ação e irão falhar na solução do problema atual. Por outro lado, se os líderes equivocam-se na leitura do ambiente e se preparam para o desafio errado, eles irão organizar mal os seus recursos e falharão na tentativa de resolver o problema” (p. 312).
Para Bennett & Lemoine (2014) as características do ambiente VICA podem assim ser resumidas:

● A volatilidade é entendida com instabilidade e imprevisibilidade do ambiente. Não necessariamente o ambiente volátil significa ausência de informação e falta de compreensão, mas sua dinâmica se altera rapidamente evidenciando a precariedade de qualquer tomada de decisão. Um dos exemplos recentes de volatilidade ambiental pode ser vista nas Jornadas de Junho de 2013, onde as respostas dadas pelos operadores políticos (governos municipais, estaduais e federal, aparato policial, partidos políticos, sindicatos, etc) estavam aquém da rápida evolução da dinâmica do processo (cf. Locatelli, 2013; Ortellado et al., 2013). As alterações no preço do petróleo resultantes de instabilidades geopolíticas no Oriente Médio também são exemplos de volatilidades para empresas no mundo inteiro. É importante ressaltar que a volatilidade não é resultante da complexidade da situação, da imprevisibilidade de resultados ou da ausência crucial de informação, mas sim de uma dinâmica ambiental que evolui rápido e imprevisivelmente. A maneira mais adequada para lidar com essa situação é as organizações apresentarem respostas ágeis que possam produzir uma diminuição da turbulência, possibilitando que os executivos compreendam as ameaças e as oportunidades que lhe são inerentes a fim de criar flexibilidades táticas visando reorganizações estratégicas futuras. Em suma, agilidade e flexibilidade organizacionais durante o processo decisório são a chave para enfrentar um ambiente de negócios volátil.
● A incerteza se relaciona com uma situação com a qual não há conhecimento suficiente ou disponível não apenas em termos de sua causalidade, mas também de seu significado. O gap de conhecimento experimentado pela organização em uma situação de incerteza a impele a reduzi-lo a partir do crescimento do processo de coleta de dados e da construção da informação a fim de proporcionar os executivos um entendimento do contexto, mesmo que preliminar e precário, da situação a ser enfrentada. Neste ponto, as ferramentas de inteligência de mercado são as mais indicadas para lidar com eventos deste tipo: o robustecimento dos mecanismos de coleta de informações com parceiros, clientes, especialistas e stakeholders; a construção de redes de gestão de conhecimento visando o aumento da responsividade organizacional; o fortalecimento de mecanismos de detecção de mudanças ambientais visando a construção de cenários alternativos de decisão. Como exemplo, observa-se como a Mercedes-Benz vem investindo fortemente na construção de redes de conhecimento, parcerias com outras empresas e desenvolvimento de novas competências internas a fim de lidar com o desafio dos carros autônomos fabricados por empresas com estratégias notoriamente disruptivas como o Google e a Tesla (cf. Stecher, 2018).
● A complexidade reflete uma situação onde muitas partes/atores/processos estão interconectados. Um ambiente complexo não é um ambiente ambíguo, volátil ou incerto: é um contexto onde a presença de muitos elementos torna difícil a identificação das partes integrantes bem como a sua interação. Os problemas de políticas públicas podem ser identificados como tendo tais características, uma vez que a produção dos seus efeitos tem por resultados a articulação (na maioria das vezes ineficiente) dos diversos atores, recursos e processos envolvidos. As dificuldades do processo decisório no âmbito das políticas públicas envolvendo tais situações refletem não apenas a escassez dos recursos disponíveis para enfrenta-los, mas com muita frequência conflitos de agência entre as partes envolvidas e interessadas que geram graves consequências não apenas ao processo decisório, mas também na execução das soluções propostas. Além da coleta de informações para melhor compreensão da dinâmica da situação, organizações enfrentando situações de complexidade inevitavelmente devem reorganizar seus processos internos e sua estrutura de governança a fim de entregar melhores resultados para a sociedade. Os escândalos recentes de corrupção nos setores de infraestrutura no Brasil são um exemplo clássico de situações de complexidade, que exigem reformas nas empresas tanto públicas quanto privadas que reflitam o novo quadro institucional de atuação dos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário em nosso país.
● Por fim, a ambiguidade caracteriza situações novas onde as relações de causa e efeito entre as forças ambientais não está suficientemente clara para a previsão dos seus resultados. É uma situação típica de cenários de inovações disruptivas ou oceanos azuis, onde a novidade impede uma previsão adequada dos resultados possíveis. De todos os componentes do ambiente VICA, a ambiguidade é a mais desafiadora para as organizações e executivos dado o alto grau de imprevisibilidade do cenários e dos seus resultados futuros. No caso de situações ambíguas, a solução empregada deve ser a experimentação organizacional. Atualmente, observa-se tal cenário no âmbito dos negócios digitais representados pelo GAFA – acrônimo utilizado para representar Google, Apple, Facebook e Amazon (cf. Galloway, 2017). Observa-se com bastante frequência que essas gigantes costumam “entrar” em mercados não apenas de outras empresas (música, jornais, automóveis, varejo, televisão), mas também entre si mesmas gerando uma forte competição na busca de um modelo de negócios de captura de valor que seja predominante no segmento. Isso explica o imperativo da inovação para as organizações nos dias de hoje: o custo de não buscar novas formas de criar, distribuir e captar valor é muito maior do que a experimentação contínua de novos negócios. 
Segundo Bennett & Lemoine (2014), o caráter distintivo de cada elemento do VICA está na singularidade de cada remédio. A solução de um não é eficaz quando aplicada no outro. Isso exige dos executivos uma competência ímpar no diagnóstico e entendimento do cenário, proporcionado por um olhar acurado para as caraterísticas da situação enfrentada e do uso eficiente das informações coletadas pela inteligência de mercado. Por outro lado, ao mesmo tempo que é raro que todos os elementos do VICA estejam presentes em um cenário, a combinação de dois desses seja frequente, exigindo dos executivos uma combinação das ferramentas de resolução propostas. Portanto, o diagnóstico e a identificação das características do ambiente VICA é de fundamental importância na solução dos seus desafios, exigindo dos executivos novas competências e conhecimentos capazes para a proposição de visões de futuro que reduzam o risco de perda de posição competitiva ou até mesmo extinção do seu próprio negócio.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BENNETT, N. & LEMOINE, G.J. (2014). What a difference a word makes: Understanding threats to performance in a VUCA world in: Business Horizons, 57 (3), May 2014, 311 – 317.
FRANKE. V. (2011). Decison-Making under Uncertainity: Using case studies for teaching strategy in complex environments. Journal of Military and Strategic Studies, vol. 13 (2), winter 2011, 1 – 21.
GALLOWAY, S. (2017). The Four: The Hidden DNA of Amazon, Apple, Facebook and Google. New York: Portfolio Press.
LOCATELLI, P. (2013). #VemPraRua: As Revoltas de junho pelo jovem repórter que recebeu passe livre para contar a história do movimento. São Paulo: Companhia das Letras.
MACK, O. & KHARE, A. (2011). Perspectives on VUCA World In: O. Mack et al. (eds). Managing in a VUCA World. Switzerland: Springer.
ORTELLADO, P. et Al. (2013). Vinte Centavos:A luta contra o aumento. São Paulo: Editora Veneta.
STECHER,N. (2018). Mercedes-Benz´s plan for surviving the auto revolution. Wired, 30/04/2018. Recuperado em 01 de maio de 2018, de https://www.wired.com/story/daimler-mercedes-case-wilko-stark-interview/?CNDID=30221171&mbid=nl_043018_daily_list1_p2



José Mauro Nunes é Doutor em Psicologia pela Puc-Rio e professor do Mestrado Executivo em Gestão Empresarial (EBAPE/FGV), do curso de Altos Estudos em Inteligência Empresarial (IDE/FGV). É, ainda, professor Adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IFHT/UERJ) e consultor da Symballéin Consulting Company.

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